quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Uma casa - Alberto Alexandre Martins



















São espessas as paredes

espessa a massa
a areia o cimento

espessa toda a matéria
com que se constrói
uma casa: vigas
de afeto, alimento

as várias espécies
de sustento
pra tudo o que circula
sob o vão das telhas:

pêlos do corpo, amor
bebedeira, esquecimento

espessos os alicerces
de silêncio
em que repousa a casa

terça-feira, 30 de agosto de 2011

sábado, 27 de agosto de 2011

Discurso - Cecília Meireles


E aqui estou, cantando.


Um poeta é sempre irmão do vento e da água:
deixa seu ritmo por onde passa.


Venho de longe e vou para longe:
mas procurei pelo chão os sinais do meu caminho
e não vi nada, porque as ervas cresceram e as serpentes
andaram.


Também procurei no céu a indicação de uma trajetória,
mas houve sempre muitas nuvens.
E suicidaram-se os operários de Babel.


Pois aqui estou, cantando.


Se eu nem sei onde estou,
como posso esperar que algum ouvido me escute?


Ah! Se eu nem sei quem sou,
como posso esperar que venha alguém gostar de mim?

Soneto oco - Carlos Pena Filho (Obrigado Arsênio)

Neste papel levanta-se um soneto,
de lembranças antigas sustentado,
pássaro de museu, bicho empalhado,
madeira apodrecida de coreto.

De tempo e tempo e tempo alimentado,
sendo em fraco metal, agora é preto.
E talvez seja apenas um soneto
de si mesmo nascido e organizado.

Mas ninguém o verá? Ninguém. Nem eu,
pois não sei como foi arquitetado
e nem me lembro quando apareceu.

Lembranças são lembranças, mesmo pobres,
olha pois este jogo de exilado
e vê se entre as lembranças te descobres.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Certeza - Octavio Paz


Se é real a luz branca
desta lâmpada, real
a mão que escreve, são reais
os olhos que olham o escrito?

Duma palavra à outra
o que digo desvanece-se.
Sei que estou vivo
entre dois parênteses.

 
 in "Dias Hábeis"
Tradução de Luis Pignatelli