segunda-feira, 6 de outubro de 2008

A Vã Ressurreição e a Noite Plena - Nelson Saldanha

Reacender as lâmpadas.
Com elas reordenar as sombras,
e entre elas cruzar o páteo,
onde há longo tempo jazem sem uso
as telhas derrubadas.
Tirar de novo o barco das amarras,
levantar outra vez ferros e portas.
Atravessar o medo antigo e fundo,
mover os remos outra vez.
De novo desenterrar as vísceras,
atar de novo as cartilagens,
riscar veias.
Retomar os degraus desmantelados,
reassumir o pulso, as mãos, os passos.
Entretanto,
apesar dos esforços,
receber a morte pressentida,
prometida desde muito.
Escutar as notas graves,
que ecoam e ressoam como sombras,
e sentir, para além das cartilagens,
a noite interminável.
Noite franca, aberta e pérfida,
profusa e leve,
escura como as vísceras, corrente;
estendida sem peso sobre a relva,
posta sobre si mesma.
Noite extensa,
fiel e lenta, traiçoeira, múltipla,
fosca e sem cor, eterna e provisória.

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