sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Deus falou por esses dias nas telas de Hollywood
por meio de Jim Carrey e Morgan Freeman.
O "Todo-Poderoso" é a história de um homem
que reclama de Deus o tempo todo,
acreditando que seus infortúnios são provocados,
quer pela atividade quer pela omissão
do Todo-Poderoso.
No ápice de sua angústia, Bruce decide jogar
na cara de Deus todos os impropérios
que muitos de nós gostaríamos de falar
mas não temos coragem.
A surpresa é que Deus aceita o desafio
da forma mais surpreendente:
deixa Bruce "ser Deus" por uma semana.

Ao delegar todos os seus poderes, Deus
estabelece duas regras:
não diga a ninguém que você é Deus
e não interfira no livre-arbítrio.
Depois de muita confusão, chega-se
ao coração do filme.
Bruce pergunta para Deus:
"Como posso fazer com que as pessoas
me amem sem interferir em seu livre-arbítrio?",
ao que Deus reage dizendo que está
procurando essa resposta há séculos.

O resumo da ópera é que amor é abnegação.
Amar é dar permissão para ser ignorado.
Amar é estar disposto a morrer, pelo menos
ser como um morto - um ausente,
não existente - para aquele que se ama.
Indo mais longe, amar é abrir mão de tudo,
inclusive de si mesmo.
O Diabo quer expandir-se e engolir tudo
para tudo chamar de "eu".
Deus quer esvaziar-se.
Nós estamos entre estes dois arquétipos:
existir em favor do outro, numa parceria
de amor ou existir em função do eu,
numa guerra tirânica entre egos.

- Espere um pouco - você diria.
- Agora você colocou Deus e o Diabo
no mesmo patamar.
Nada disso. Deus continua sendo Todo-Poderoso.
Deus continua sendo o padrão ao qual todo
o Universo, especialmente você, deve se
conformar, sob pena de cair num niilismo
sem saída, num caos ainda mais grotesco do
que o em que já nos encontramos.
Lembre-se de que estamos em busca de
sentido e de significado para
a existência humana.
Pois então não se esqueça de que fomos
criados à imago Dei, feitos para viver
em uma unidade plural, em uma fraternidade
solidária, abnegada e altruísta.
Não fomos feitos para engolir egos de maneira
a tornar nosso ego o maior de todos.
Fomos feitos para conviver e, para isso,
precisamos dar espaço para o outro.
Na verdade, devemos admitir que somente
encontraremos nossa identidade mais
profunda e nossa realização mais plena
quanto mais espaço dermos para que
outros existam conosco e quanto
mais estivermos dispostos
a existir com outros.

(pgs. 172-173)

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Aos que Virão a Nascer - Bertold Brecht


É verdade, vivo em tempo de trevas!
É insensata toda a palavra ingénua. Uma testa lisa
Revela insensibilidade. Os que riem
Riem porque ainda não receberam
A terrível notícia.

Que tempos são estes, em que
Uma conversa sobre árvores é quase um crime
Porque traz em si um silêncio sobre tanta monstruosidade?
Aquele ali, tranquilo a atravessar a rua,
Não estará já disponível para os amigos
Em apuros?

É verdade: ainda ganho o meu sustento.
Mas acreditem: é puro acaso. Nada
Do que eu faço me dá o direito de comer bem.
Por acaso fui poupado (Quando a sorte me faltar, estou perdido)

Dizem-me: Come e bebe! Agradece por teres o que tens!
Mas como posso eu comer e beber quando
Roubo ao faminto o que como e
O meu copo de água falta a quem morre de sede?
E apesar disso eu como e bebo.

Também eu gostava de ter sabedoria
Nos velhos livros está escrito o que é ser sábio:
Retirar-se das querelas do mundo e passar
Este breve tempo sem medo.
E também viver sem violência
Pagar o mal com o bem
Não realizar os desejos, mas esquecê-los
Ser sábio é isto.
E eu nada disso sei fazer!
É verdade, vivo em tempo de trevas!

II

Cheguei às cidades nos tempos da desordem
Quando aí grassava a fome
Vim viver com os homens nos tempos de revolta
E com eles me revoltei.
E assim passou o tempo
Que na terra me foi dado.

Comi o meu pão entre batalhas
Deitei-me a dormir entre assassinos
Dei-me ao amor sem cuidados
E olhei a natureza sem paciência.
E assim passou o tempo
Que na terra me foi dado.

No meu tempo as ruas iam dar ao pântano.
A língua traiu-me ao carniceiro.
Pouco podia fazer. Mas os senhores do mundo
Sem mim estavam mais seguros, esperava eu.
E assim passou o tempo
Que na terra me foi dado.

As forças eram poucas. A meta
Estava muito longe
Claramente visível, mas nem por isso
Ao meu alcance.E assim passou o tempo
Que na terra me foi dado.

III

Vós que surgireis do dilúvio
Em que nós nos afundámos
Quando falardes das nossas fraquezas
Lembrai-vos
Também do tempo das trevas
A que escapastes.

Pois nós, mudando mais vezes de país que de sapatos, atravessámos
As guerras de classes, desesperados
Ao ver só injustiça e não revolta.

E afinal sabemos:
Também o ódio contra a baixeza
Desfigura as feições.
Também a cólera contra a injustiça
Torna a voz rouca. Ah, nós
Que queríamos desbravar o terreno para a amabilidade
Não soubemos afinal ser amáveis.

Mas vós, quando chegar a hora
De o homem ajudar o homem
Lembrai-vos de nós
Com indulgência.

domingo, 22 de novembro de 2009

Tudo é vago e muito vário
meu destino não tem siso,
o que eu quero não tem preço
ter um preço é necessário,
e nada disso é preciso

Paulo Leminski

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Um Homem com uma Dor - Paulo Leminski

um homem com uma dor
é muito mais elegante
caminha assim de lado
como se chegasse atrasado
andasse mais adiante
carrega o peso da dor
como se portasse medalhas
uma coroa um milhão de dólares
ou coisa que os valha
ópios édens analgésicos
não me toquem nessa dor
ela é tudo que me sobra
sofrer, vai ser minha última obra

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Desencontrários - Paulo Leminski


Mandei a palavra rimar,
ela não me obedeceu.
Falou em mar, em céu, em rosa,
em grego, em silêncio, em prosa.
Parecia fora de si,
a sílaba silenciosa.

Mandei a frase sonhar,
e ela se foi num labirinto.
Fazer poesia, eu sinto, apenas isso.
Dar ordens a um exército,
para conquistar um império extinto.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

A existência depende da capacidade de
transceder ao próprio eu.

Por isso compreendo o fato antropológico
primordial que o ser humano deva sempre
estar endereçado, deva sempre apontar
para qualquer coisa ou qualquer um diverso
dele próprio, ou seja, para um sentido a
realizar ou para outro ser humano a encontrar,
para uma causa à qual consagrar-se ou para
uma pessoa a quem amar.

Somente na medida em que consegue viver
esta autotranscedência da existência
humana, alguém é autenticamente homem
e autenticamente si próprio.
Assim o homem se realiza, não se preocupando
com o realizar-se, mas esquecendo a si mesmo
e dando-se, descuidando de si e concentrando
seus pensamentos para além de si.

Essa é uma consequência de você ter sido criado
à imagem de Deus.
Um Deus que é três não poderia criar uma
expressão de si mesmo que não fosse destinada
a viver uma unidade plural.

(pg. 171)

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Lançamento do Livro "Alma de Vidro" - Aldo Lins

Lançamento do livro "Alma de Vidro", de Aldo Lins
será dia 16 de Dezembro, ás 19h, no Teatro Mamulengo,
praça do Arsenal da Marinha -
Recife Antigo.

Paraibano, natural de Cajazeiras e
radicado há 17 anos em Recife,
o poeta Aldo Lins traz no livro
prefácio de Jaci Bezerra e orelha por Ângelo Monteiro.
A edição assinada pela Grupo Paés
vem para fazer sua poesia romper fronteiras.

Não te amo mais.

Não te amo mais
Estarei mentindo dizendo que
Ainda te quero como sempre quis
Tenho certeza que
Nada foi em vão
Sinto dentro de mim que
Você não significa nada
Não poderia dizer mais que
Alimento um grande amor
Sinto cada vez mais que
Já te esqueci!
E jamais usarei a frase
Eu te amo!
Sinto, mas tenho que dizer a verdade
É tarde demais...

P.S.: Agora leia de baixo pra cima.

Este poema é falsamente atribuído
a Clarice Lispector.
Se alguém souber quem é o autor(a),
por favor me diga,
para eu colocar no blog.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Para meu Pai.

Ele me ensinou
A molhar o corpo aos poucos,
Primeiro os braços,
Depois as pernas,
E por último a cabeça.
Para eu me acostumar
Quando a água estava muito fria
E não tínhamos chuveiro elétrico.

Ele me ensinou
O nome das árvores
E de todos os pássaros
Que existiam na granja,
Mas eu já esqueci
Todos eles
Em meus voos insanos
E caóticos
Por dentro de mim mesmo
E da noite.

Ele me ensinou a poupar
Mas eu também
Já me esqueci há muito tempo
Na minha ânsia
De viver toda a minha vida
Num segundo.

Mas ele me ensinou
Muitas coisas
Que ficaram guardadas como
Pérolas de grande valor
Em compartimentos secretos
Do meu coração:
Honestidade, ética,
Trabalho, perseverança!

Carlos Maia
16/11/09.

domingo, 15 de novembro de 2009

A CAMA DE PREGOS - Eduardo Alves da Costa

Tenho o corpo varado de angústias
e não encontro posição de repouso.
Porque aos de minha geração
foi dado existir numa cama de pregos,
entre o espasmo e o grito,
antes da primeira frase se fazer orvalho
contra as paredes da cela.
Não há possibilidade de fuga
para nosso instinto.
querem que o sexo floresça e murche
em nossas próprias mãos;
ou que o orgasmo seja catalogado
e obedeça aos trâmites legais.
Não há caminho que nos leve à amada.

Todos os corredores conduzem ao vestíbulo,
onde uma enfermeira nos agarra
e nos faz preencher um questionário.
Esconderam as fêmeas em arcas de veludo
e nos iludem o apetite
com mulheres da vida,
com cineminhas mambembes
e filme de sacanagem.
Mas isto não nos basta,
é preciso um espaço infinito
para nos fazermos ao largo,
como jovens leões que se lançam à planície.
Ah, visões de antigos dias,
farândolas de faunos,
virgens consumidas,
olhos de ciclopes aguardando as madrugadas!

Não haverá nesta cidade uma única mulher
verdadeiramente no cio?
Quero agitá-la como uma bandeira
entre as estrelas
e vê-la tombar,
com a face tranqüila.

Sim, deliro,
estamos todos loucos,
à beira do caos e do copo.
E contudo é preciso utilizar de alguma forma
esta convulsão incontida.
Mesmo que tudo termine
na cama de pregos,
seguros pela enfermeira
e cheirando clorofórmio.

Não, por Deus,
não me façam uma incisão no crânio.
Eu sei que estou preso num palácio de espelhos
e é preciso quebrar tudo!

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

A Francisco Espinhara.






















A vida vencerá, Chico,
Tantas vezes
Desejando a morte
Tantas vezes sem sentido
Desbragadamente
Desprendido de tudo,
Pulando da ponte,
Dormindo com as putas,
Se afogando na maconha
E no álcool
Para mitigar um pouco
A dor
De não compreender
Tanta miséria
E desigualdade
Dançando ao som
Do maracatu em Rainha...
A vida vencerá, Chico,
A vida sempre vencerá,
Mesmo que um dia morramos.

Carlos Maia
20/09/06 .

10.000 Visitas - Obrigado leitor!

O Blog chega a 10.000 visitas,
e eu quero agradecer a você leitor,
que tem me honrado com a sua visita diária!
Com apenas 2 anos e meio de vida,
a primeira postagem foi um poema que
eu fiz para Francisco Espinhara.
Tenho procurado dar o melhor de mim aqui,
e eu sei que quanto maior o sucesso
maior será a cobrança.
Espero permanecer a altura
de todos vocês que nos visitam!

Abraço Fraterno!
Carlos Maia.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

A Carta do Índio Chefe Seattle - "Manifesto da Terra-Mãe"

Já passaram muitos anos desde que foi escrita,
apesar disso, a carta que se segue, não só
continua atual como consubstancia uma crescente
preocupação do homem de hoje.
Foi em 1854 que o chefe Seattle, da tribo Suquamish,
do Estado de Washington, depois de o governo
norte americano ter proposto a compra do território
ocupado por aqueles índios, respondeu ao presidente
dos Estados Unidos endereçando-lhe a missiva
que se anexa. A mesma foi divulgada pela UNESCO
em 1976, quando das comemorações do
Dia Mundial do Ambiente.
Não está defasada das nossas preocupações estéticas
e culturais a questão ambiental ainda que esta
temática tenha campo próprio, assim nesse contexto
e ainda pela beleza do texto aqui lhe
disponibilizamos a carta.
Quinhentos anos depois da chegada de Pedro Álvares
Cabral a Porto Seguro no Brasil, a preocupação do
chefe Seattle, natural que era daquele continente,
e sem pretender alimentar polêmicas de qualquer
espécie, revelou então uma preocupação à qual
felizmente cada vez mais homens e mulheres de hoje,
independentemente do credo filosófico ou religioso
com que se identificam, da raça ou do continente
em que se insiram, dão maior importância.
E a causa ecológica passou a ser causa dos povos,
e não só do chefe índio.
Ao chefe Seattle coube a glória de com o seu perspicaz
olhar de homem selvagem, como ele próprio
se intitula, habituado que estava a visualizar o horizonte
em busca de bisontes que alimentassem a sua tribo,
ter vislumbrado antes de todos a importância da
terra mãe para o homem.
E viu com o seu arguto olhar que a terra é nossa mãe
e o sol nosso pai,
e que podem um dia zangar-se!

Eis o texto da carta:

"Como podeis comprar ou vender o céu, o calor da terra?
A idéia não tem sentido para nós.
Se não somos donos da frescura do ar ou o brilho
das águas, como podeis querer comprá-los?
Qualquer parte desta terra é sagrada para meu povo.
Qualquer folha de pinheiro, cada grão de areia
nas praias, a neblina nos bosques sombrios,
cada monte e até o zumbido do inseto,
tudo é sagrado na memória e no passado do meu povo.
A seiva que percorre o interior das árvores leva em si
as memórias do homem vermelho.
Os mortos do homem branco esquecem a terra
onde nasceram, quando empreendem
as suas viagens entre as estrelas;
ao contrário os nossos mortos jamais esquecem
esta terra maravilhosa,
pois ela é a mãe do homem vermelho.

Somos parte da terra e ela é parte de nós.
As flores perfumadas são nossas irmãs,
os veados, os cavalos, a majestosa águia,
todos nossos irmãos.
Os picos rochosos, a fragrância dos bosques,
o calor do corpo do cavalo e do homem,
todos pertencem à mesma família.
Assim, quando o grande chefe em Washington
envia mensagem manifestando o desejo de comprar
as nossas terra,
está a pedir demasiado de nós.
O grande Chefe manda dizer ainda que nos reservará
um sítio onded possamos viver
confortavelmente uns com os outros.
Ele será nosso pai e nós seremos seus filhos.
Se assim é, vamos considerar a sua proposta sobre
a compra de nossa terra.
Isto não é fácil, já que esta terra é sagrada para nós.

A límpida água que corre nos ribeiros e nos rios
não é apenas água,
mas o sangue de nossos antepassados.
Se lhes vendemos a terra, recordar-se-á e lembrará
aos vossos filhos que ela é sagrada,
e que cada reflexo nas claras águas evoca
eventos e fases da vida do meu povo.
O murmúrio das águas é a voz do pai do meu pai.

Os rios são nossos irmãos, e saciam a nossa sede.
Levam as nossas canoas e alimentam os nossos filhos.
Se lhes vendermos a terra, deveis lembrar
e ensinar aos vossos filhos que os rios são nossos
irmãos, e também o são deles,
e deveis a partir de então dispensar aos rios
o mesmo tratamento e afeto que dispensais
a um irmão.

Nós sabemos que o homem branco não entende
o nosso modo de ser.
Ele não sabe distinguir um pedaço de terra
de outro qualquer, pois é um estranho que vem de
noite e rouba da terra tudo de que precisa.
A terra não é sua irmã,
mas sua inimiga, depois de vencida e conquistada,
ele vai embora, à procura de outro lugar.
Deixa atrá de si a sepultura de seus pais
e não se importa.
A cova de seus pais é a herança de seus filhos,
ele os esquece.
Trata a sua mãe, a terra,
e seu irmão, o céu, como coisas que se compram,
como se fossem peles de carneiro
ou brilhantes contas sem valor.
O seu apetite vai exaurir a terra,
deixando atrás de si só desertos.
E isso eu não compreendo.

O nosso modo de ser é completamente diferente
do vosso. A visão de vossas cidades faz doer
os olhos do homem vermelho.
Talvez seja porque o homem vermelho é um
selvagem e não compreende...
Nas cidades do homem branco não há um só
lugar onde haja silêncio, paz.
Um só lugar onde ouvir o desabrochar das
folhas na primavera, o zunir das asas de um inseto.
Talvez seja porque sou um selvagem e não
posso compreender.
O vosso ruído insulta os nossos ouvidos.
Que vida é essa onde o homem não pode ouvir
o pio solitário da coruja ou o coaxar das rãs
nas margens dos charcos
e ribeiros ao cair da noite?
O índio prefere o suave sussurrar do vento
esfolando a superfície das águas do lago,
ou a fragrância da brisa,
purificada pela chuva do meio dia
e aromatizada pelo perfume dos pinhais.

O ar é inestimável para o homem vermelho, pois
dele todos se alimentam.
Os animais, as árvores, o home, todos respiram
o mesmo ar. O homem branco parece não se
importar com o ar que respira.
Como um cadáver em decomposição,
ele é insensível ao mau cheiro.
Mas se vendermos nossa terra, deveis recordar
que o ar é precioso para nós,
que o ar insufla seu espírito em todas as coisas
que dele vivem.
O vento que deu aos nossos avós o primeiro
sopro de vida é o mesmo
que lhes recebe o último suspiro.
Se vendermos nossa terra a vós, deveis conservá-la
à parte, como sagrada, como um lugar onde
mesmo um homem branco possa ir saborear a brisa
aromatizada pelas flores dos bosques.

Por tudo isto consideraremos a vossa proposta de
comprar nossa terra.
Se nos decidirmos a aceitá-la, eu porei uma condição:
O homem branco terá que tratar os animais desta
terra como se fossem seus irmãos.
Sou um selvagem e não compreendo outro modo
de vida. Tenho visto milhares de bisontes
apodrecendo nas pradarias, mortos a tiro pelo
homem branco de um comboio
em andamento.
Sou um selvagem e não compreendo como
o fumegante cavalo de ferro possa ser mais importante
que o bissonte, que nós caçamos apenas
para sobreviver.
Que será dos homens sem os animais?
Se todos os animais desaparecem,
o homem morrerá de solidão espiritual.
Porque o que suceder aos animais afetará os homens.
Tudo está ligado.
Deveis ensinar a vossos filhos que o solo que pisam
são as cinzas de nossos avós.
Para que eles respeitem a terra, ensina-lhes que
ela é rica pela vida dos seres de todas
as espécies. Ensinai aos vossoa filhos o que
nós ensinamos aos nossos:
Que a terra é a nossa mãe.
Quando o homem cospe sobre a terra,
cospe sobre si mesmo.
De uma coisa nós temos certeza:
A terra não pertence ao homem branco;
o homem branco é que pertence à terra.
Disso nós temos a certeza.
Todas as coisas estão relacionadas como o sangue
que une uma família.
Tudo está associado.
O que fere a terra fere também aos filhos da terra.
O homem não tece a teia da vida: é antes um
dos seus fios. O que quer que faça a essa teia,
faz a si próprio.

Nem mesmo o homem branco, cujo Deus passeia
e fala com ele como um amigo,
não pode fugir a esse destino comum.
Por fim talvez, e apesar de tudo, sejamos irmãos.
Uma coisa sabemos, e que talvez o homem branco
venha a descobrir um dia:
o nosso Deus é o mesmo Deus.
Hoje pensais que Ele é só vosso, tal como desejais
possuir a terra, mas não podeis.
Ele é o Deus do homem e sua compaixão é igual
tanto para o homem branco,
quanto para o homem vermelho.

Esta terra tem um valor inestimável para Ele,
e ofender a terra é insultar o seu Criador.

Também os brancos acabarão um dia talvez mais
cedo do que todas as outras tribos.
Contaminai os vossos rios e uma noite morrerão
afogados nos vossos resíduos.
Contudo, caminhareis para a vossa destruição,
iluminados pela força do Deus que vos trouxe a esta
terra e por algum desígnio especial vos deu
o domínio sobre ela e sobre o homem vermelho.
Este destino é um mistério para nós, pois não
compreendemos como será no dia em que o último
bisonte for dizimado, os cavalos selvagens
domesticados, os secretos recantos das florestas
invadidas pelo odor do suor de muitos homens
e a visão das brilhantes colinas bloqueada
por fios falantes.

Onde está o matagal?
Desapareceu.
Onde está a águia?
Desapareceu.

Termina a vida começa a sobrevivência."

Paulo Mendes Campos.

Declaração de males

Ilmo. Sr. Diretor do Imposto de Renda.

Antes de tudo devo declarar que já estou, parceladamente, à venda.
Não sou rico nem pobre, como o Brasil, que também precisa de boa parte do meu dinheirinho.
Pago imposto de renda na fonte e no pelourinho.
Marchei em colégio interno durante seis anos mas nunca cheguei ao fim de nada, a não ser dos meus enganos.
Fui caixeiro. Fui redator. Fui bibliotecário.
Fui roteirista e vilão de cinema. Fui pegador de operário.
Já estive, sem diagnóstico, bem doente.
Fui acabando confuso e autocomplacente.
Deixei o futebol por causa do joelho.
Viver foi virando dever e entrei aos poucos no vermelho.
No Rio, que eu amava, o saldo devedor já há algum tempo que supera o saldo do meu amor.
Não posso beber tanto quanto mereço, pela fadiga do fígado e a contusão do preço.
Sou órfão de mãe excelente.
Outras doces amigas morreram de repente.
Não sei cantar. Não sei dançar.
A morte há de me dar o que fazer até chegar.
Uma vez quis viver em Paris até o fim, mas não sei grego nem latim.
Acho que devia ter estudado anatomia patológica ou pelo menos anatomia filológica.
Escrevo aos trancos e sem querer e há contudo orgulhos humilhantes no meu ser.
Será do avesso dos meus traços que faço o meu retrato?
Sou um insensato a buscar o concreto no abstrato.
Minha cosmovisão é míope, baça, impura, mas nada odiei, a não ser a injustiça e a impostura.
Não bebi os vinhos crespos que desejara, não me deitei sobre os sossegos verdes que acalentara.
Sou um narciso malcontente da minha imagem e jamais deixei de saber que vou de torna-viagem.
Não acredito nos relógios… the pule cast of throught… sou o que não sou (all that I am I am not).
Podia ter sido talvez um bom corredor de distância: correr até morrer era a euforia da minha infância.
O medo do inferno torceu as raízes gregas do meu psiquismo e só vi que as mãos prolongam a cabeça quando me perdera no egotismo.
Não creio contudo em myself.
Nem creio mais que possa revelar-me em other self.
Não soube buscar (em que céu?) o peso leve dos anjos e da divina medida.
Sou o próprio síndico de minha massa falida.
Não amei com suficiência o espaço e a cor.
Comi muita terra antes de abrir-me à flor.
Gosto dos peixes da Noruega, do caviar russo, das uvas de outra terra; meus amores pela minha são legião, mas vivem em guerra.
Fatigante é o ofício para quem oscila entre ferir e remir.
A onça montou em mim sem dizer aonde queria ir.
A burocracia e o barulho do mercado me exasperam num instante.
Decerto sou crucificado por ter amado mal meu semelhante.
Algum deus em mim persiste
mas não soube decidir entre a lua que vemos e a lua que existe.
Lobisomem, sou arrogante às sextas-feiras, menos quando é lua cheia.
Persistirá talvez também, ao rumor da tormenta, algum canto da sereia.
Deixei de subir ao que me faz falta, mas não por virtude: meu ouvido é fino e dói à menor mudança de altitude.
Não sei muito dos modernos e tenho receios da caverna de Platão: vivo num mundo de mentiras captadas pela minha televisão.
Jamais compreendi os estatutos da mente.
O mundo não é divertido, afortunadamente.
E mesmo o desengano talvez seja um engano.


Texto extraído do livro “O amor acaba”, Civilização Brasileira – Rio de Janeiro, 1999, pág. 259, organização de Flávio Pinheiro.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009


O olho é como uma câmera fotográfica,

Você olha e vê aquilo que você quiser ver.
Você pode ver lixo ou poesia, miséria ou esperança, ódio ou amor”
(Exposto no Museu de Arte de Israel.)
Apenas um monte de lixo…então…repare na sombra!

PEGUE O SEU POEMA …

PS - lua à vista
brilhavas assim
sobre auschwitz? (Paulo Leminski).

PS II – catador de lixo:/carga cheia de ilusão perdida por outros. (Marba Furtado).

Na minha cidade
Ainda existem
Galos e Quintais.
Os Ipês da Agamenon
Começam a florar
Em Novembro,
Mas os espigões estão
Ganhando a guerra
Contra a Mãe Natureza.
Na minha cidade
Ainda existem
Catadores de lixo,
que não vivem,
vegetam.

Carlos Maia
11/11/09.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009


Remédio

Sermão do Mandato – Padre Antonio Vieira (1643)

…sobre as palavras que tomei, tratarei quatro coisas, e uma só. Os remédios do amor e o amor sem remédio…

Primeiro Remédio : O Tempo

Tudo cura o tempo, tudo faz esquecer, tudo gasta, tudo digere, tudo acaba. Atreve-se o tempo a colunas de mármore, quanto mais a corações de cera! São as afeições como as vidas, que não há mais certo sinal de haverem de durar pouco, que terem durado muito. São como as linhas que partem do centro para a circunferência, que, quanto mais continuadas, tanto menos unidas. Por isso os antigos sábiamente pintaram o amor menino, porque não há amor tão robusto, que chegue a ser velho. De todos os instrumentos com que o armou a natureza o desarma o tempo. Afrouxa-lhe o arco, com que já não tira, embota-lhe as setas, com que já não fere, abre-lhe os olhos, com que vê o que não via, e faz-lhe crescer as asas, com que voa e foge. A razão natural de toda esta diferença, é porque o tempo tira a novidade às coisas, descobre-lhes os defeitos, enfastia-lhes o gosto, e basta que sejam usadas para não serem as mesmas. Gasta-se o ferro com o uso, quanto mais o amor? O mesmo amar é causa de não amar, e o ter amado muito, de amar menos.

Segundo Remédio : Ausência

Muitas enfermidades se curam só com a mudança do ar; o amor com a da terra. E o amor como a lua que, em havendo terra em meio, dai-o por eclipsado. E que terra há que não seja a terra do esquecimento, se vos passastes a outra terra? Se os mortos são tão esquecidos, havendo tão pouca terra entre eles e os vivos, que podem esperar, e que se pode esperar dos ausentes? Se quatro palmos de terra causam tais efeitos, tantas léguas que farão? Em os longes, passando de tiro de seta, não chegam lá as forças do amor. Os filósofos definiram a morte pela ausência: Mors est absentia animae a corpore. Despediram-se com grandes demonstrações de afeto os que muito se amavam, apartaram-se enfim, e, se tomardes logo o pulso ao mais enternecido, achareis que palpitam no coração as saudades, que rebentam nos olhos as lágrimas, e que saem da boca alguns suspiros, que são as últimas respirações do amor. Mas, se tomardes depois destes ofícios de corpo presente, que achareis? Os olhos enxutos, a boca muda, o coração sossegado: tudo esquecimento, tudo frieza. Fez a ausência seu ofício, como a morte: apartou, e depois de apartar, esfriou.

Terceiro Remédio : Ingratidão

Assim como os remédios mais eficazes são ordinariamente os mais violentos, assim a ingratidão é o remédio mais sensitivo do amor, e juntamente o mais efetivo. A virtude que lhe dá tamanha eficácia, se eu bem o considero, é ter este remédio da sua parte a razão. Diminuir o amor o tempo, esfriar o amor a ausência, é sem-razão de que todos se queixam; mas que a ingratidão mude o amor e o converta em aborrecimento, a mesma razão o aprova, o persuade, e parece que o manda. Que sentença mais justa que privar do amor a um ingrato? O tempo é natureza, a ausência pode ser força, a ingratidão sempre é delito. Se ponderarmos os efeitos de cada um destes contrários, acharemos que a ingratidão é o mais forte. O tempo tira ao amor a novidade, a ausência tira-lhe a comunicação, a ingratidão tira-lhe o motivo. De sorte que o amigo, por ser antigo, ou por estar ausente, não perde o merecimento de ser amado; se o deixamos de amar não é culpa sua, é injustiça nossa; porém, se foi ingrato, não só ficou indigno do mais tíbio amor, mas merecedor de todo o ódio. Finalmente o tempo e a ausência combatem o amor pela memória, a ingratidão pelo entendimento e pela vontade. E ferido o amor no cérebro, e ferido no coração, como pode viver? O exemplo que temos para justificar esta razão ainda é maior que os passados.

Quarto Remédio : O melhorar de objeto

Dizem que um amor com outro se paga, e mais certo é que um amor com outro se apaga. Assim como dois contrários em grau intenso não podem estar juntos em um sujeito, assim no mesmo coração não podem caber dois amores, porque o amor que não é intenso não é amor. Ora, grande coisa deve de ser o amor, pois, sendo assim, que não bastam a encher um coração mil mundos, não cabem em um coração dois amores. Daqui vem que, se acaso se encontram e pleiteiam sobre o lugar, sempre fica a vitória pelo melhor objeto. É o amor entre os afetos como a luz entre as qualidades. Comumente se diz que o maior contrário da luz são as trevas, e não é assim. O maior contrário de uma luz é outra luz maior. As estrelas no meio das trevas luzem e resplandecem mais, mas em aparecendo o sol, que é luz maior, desaparecem as estrelas. Em aparecendo o maior e melhor objeto, logo se desamou o menor.

Amor Sem Remédio

Se quando se rendem ao mesmo amor todos os contrários, será justo que lhe resistam os seus, e se na hora em que morre de amor sem remédio o mesmo amante, será bem que lhe faltem os corações daqueles por quem morre? Amemos a quem tanto nos amou, e não haja contrário tão poderoso que nos vença, para que não perseveremos em seu amor.

PS –“ E como o tempo não tem, nem pode ter consistência alguma,

e todas as coisas desde o seu princípio nasceram juntas com o tempo,

por isso nem ele, nem elas, podem parar um momento, mas com

perpétuo moto, e revolução insuperável passar, e ir passando sempre.”

Sermão da Primeira Dominga do Advento.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Aldo Lins Lança 2ª edição do seu “Alma de Vidro”,
em 07 de Novembro, às 16:30 hs.
dentro da programação da Freeporto

- Festa Literária do Recife.

Paraibano, natural de Cajazeiras e
radicado há 17 anos em Recife,
o poeta Aldo Lins traz no livro
prefácio de Jaci Bezerra e orelha por Ângelo Monteiro.
A edição assinada pela Grupo Paés
vem para fazer sua poesia romper fronteiras.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

LIMBO - Moisés Barreto (Ayana)

Aqueronte Capibaribe
Quem atravessaria tuas margens
Para transladar entre infernos
E sub-paraísos?
O limbo luminoso dos domingos
Permanece nos prostíbulos
E as bacantes dissolvem-se
Entre frevos e náuseas rutilantes.
Aqueronte castigado pela terra
Cuja a sede saciada foi a adaga
Do seu corte.
O subterrâneo desta paisagem fantasmal
Nutre no seu âmago
Mil ácidos e cólicas do cais que deixou
Seus partos imaturos criarem cidades.
Quem guia no limbo luminoso
É o poeta turvo que escreve no lodo
Do esquecimento seu trajeto, seu canto
Sua impossibilidade de silêncio e pranto.
Está estacionado na ponte
Há mil anos como estátua tautológica
Recitando sempiterno a mesma prosa:
Quem bebe desta água
Perde a esperança e a alma.
Aqueronte de quatro braços de shiva
E milhares de tentáculos-ilhas
Impenetráveis e intraduzíveis.
Transpor as tuas águas
Com naus submersas da fala.
Com toscas flores do engano
Com o símbolo ambíguo
Da vigília e do sono é desnadar
Aniquilado e insone no limbo luminoso
Desta cidade móvel de histórias movediças.
Um protomito prometéico
Cujo fígado foi dissolvido por vinhos vagabundos
E o fogo ofertado não iluminou nesta noite
O canto que atravessou todas as pontes,
Palafitas de um mar morto.
Assim como também tua voz e teu corpo.

Março/2005