quarta-feira, 31 de março de 2010

Você pode me negar
uma estrela
e a minha expansão
ao infinito,
mas é aí que eu lanço
com mais força
o meu grito.

Carlos Maia
31/03/10

domingo, 28 de março de 2010

Blindagem - Alberto da Cunha Melo.

Como súbitas garçonetes
que me servem pássaros vivos,
eu possuo poucas palavras,
mas todas elas submissas.

Não duvidem que sou capaz
de falar sobre Rilke ainda,
ou de localizar outro filho
de Deus, outra ressurreição.

Quem me ilumina é a perigosa
luz dos relâmpagos, e a voz
de meu poema tem um tempo
só: a duração do meu susto.

Dura apenas para contar
por alto as coisas que vislumbro:
um subtriste intercâmbio
de luz, que não fora notado.

Dura apenas para provar
que o mundo esconde alguma coisa:
Todos receiam a risada
dos outros, e amam em silêncio.

(In Quíntuplo)

domingo, 21 de março de 2010

Venho de longe, trago o pensamento - Paulo Bonfim.

Venho de longe, trago o pensamento
Banhado em velhos sais e maresias;
Arrasto velas rotas pelo vento
E mastros carregados de agonia.
Provenho desses mares esquecidos
Nos roteiros de há muito abandonados
E trago na retina diluídos
Os misteriosos portos não tocados.
Retenho dentro da alma, preso à quilha
Todo um mar de sargaços e de vozes,
E ainda procuro no horizonte a ilha
Onde sonham morrer os albatrozes...

Venho de longe a contornar a esmo,
O cabo das tormentas de mim mesmo

sábado, 20 de março de 2010

Classificados - Luciana Cavalcanti.


procura-se
alguma poesia que se solidarize
com minha paixão sem nome,
meus mil naufrágios sem barco.


ainda ontem imaginei ter cruzado
com a solidão na esquina.
senhora magra, altiva
e bem arrumada,olhou-me de revés
e não mo respondeu o "boa noite"...
pensei que isto fosse o fim do Mundo!


qual nada! o Mundo continua...
e eu, cá, sem poesias que me falem...
porque ontem, senhores, a solidão
me negou sua palavra.

Boa Vista - Luciana Cavalcanti.


Quando tu passas, menino,
olha que o desejo me assanha
esta vontade imensa
de ser o que não sou...
Vontade de te dizer
coisas que te fariam corar.
Vontade de já não ter
compostura alguma,
nem vergonha na cara.
E vejo-me como os velhos bêbados,
que já não são,
já não têm mais nada,
e ao ver passar
uma menina-flor pela calçada,
desejariam que viesse nua!

Ora (direis) ouvir estrelas - Olavo Bilac.

XIII

"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-Ias, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto ...

E conversamos toda a noite, enquanto
A via láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas."

Fuga e Adágio - Vinícius de Moraes.

Vou sair correndo desta cidade em busca
de um lugar qualquer onde possa escrever
o poema da minha desgraça
Vou, porque já é demais para mim o espetáculo
incessante da simulação e inexpressão das almas
Vou sair correndo, correndo...
correndo pelas avenidas, pelas ruas,
através os homens vestidos e as mulheres nuas
E os edifícios… vou sair, fugindo,
fugindo dos olhares estéreis

dos edifícios, correndo pelas ruas como
um ladrão que se sentisse perseguido
Vou sair, vou movimentar toda essa gente
fazendo com que me olhem,
vou parar os carros fazendo com
que não me matem, vou

Porque não posso mais desse
irremediável – vou – tão maior

e tão mais fraco do que eu mesmo,
que me leva e me deixa gravado
em todas as faces da vida...

Aprendiz do Espanto - Thiago de Mello.

Não deflorei ninguém.
A primeira mulher que eu vi desnuda
(ela era adulta de alma e de cabelos)
foi a primeira a me mostrar os astros,
mas não fui o primeiro a quem mostrou.
Eu vi o resplendor de suas nádegas
de costas para mim, era morena,
mas quando se virou ficou dourada.
Sorriu porque os seus peitos me assombraram
o olhar de adolescente desafeito
à glória da beleza corporal.
Era manhã na mata, mas estrelas
nasciam dos seus braços e subiam
pelo pescoço, eu lembro, era o pescoço
que me ensinava a soletrar segredos
guardados na clavícula.

Pedia

já estirada de bruços me chamando,
que eu passeasse meus lábios pelas pétalas
orvalhadas da nuca, eram lilazes,
com as gemas de leve eu alisasse
as espáduas de espumas e esmeraldas,
queria a minha mão lhe percorrendo,
mas indo e vindo, o vale da coluna,
cuidadosa de mim, trés doucement.
Ela me inaugurou o contentamento
inefável de dar felicidade.
Tanto conhecimento só podia
ser de nascença, hoje eu calculo.

Não

era um saber de experiências feito,
mas quanta ciência para transmiti-lo.
Ela era de outras águas, a fontana
de trinta anos, que veio lá do Sena
com a sina de me dar a beber
na aurora dos seus olhos, nos seus peitos,
na boca musical, no mar do ventre,
no riso de açucena, na voz densa,
nas sobrancelhas e no vão das pernas -
o mel antigo da sabedoria
de que a libido cresce quando atende,
de que a tesão se acende na ternura,
que as ante-salas se prolonguem vastas
até estar pronto para entrar no céu.

Pitangas na Biblioteca - Alberto da Cunha Melo.

A Carlos Alberto de Azevedo

Tem a cabeça na almofada
e o livro nas mãos (vai deixá-lo).
Daqui a pouco voltará
à Grande Estante, ali tão perto.

Como se isso fosse possível,
vai devolver o fruto à árvore,
por ser difícil devorá-lo
comodamente, no sofá.

Os volumes de cascas grossas
e de almas volumosas, não;
que é preciso subir na escada
alta e magra, para alcançá-los.

E retira da prateleira
(mais baixa) o mais frouxo exemplar,
como quem tira uma pitanga
que se pode colher com a boca.

Volta a repousar a cabeça
na almofada cheia de brisa,
para ruminar o miolo
do zero, o miolo do nada

Re-nasceres
(ou re-na-seres!)

No "mote" de Maiakóvski
A Carlos Maia


Inumeráveis noites de estrelas
havia-nos sido garantido.
E a vida, devolvida, re-feita,
pela paixão da poesia
e a sede de futuro...
Vida aí: reapresentada,
para a luta
ante as cotidianas misérias
e para a transformação
da família, humana,
plural... abraâmica!
E, por isso, Vida exigente.

Não sei se por ingenuidade,
pretensiosidade,
ou por ser poeta
simplesmente...

Mas vejo-nos em antecipação
do sonhado Século XXX.
Não por estarmos mais perto
ou longe
de alcançar algum sonho
e não apenas pelas estrelas...

Mas eis o futuro ansiado
devolvido
como possibilidade!
Eis amores servis
libertando-se dos grilhões!

E, tudo, talvez, porque sejamos poetas
e amemos,
firme, fiel e verdadeiramente...

Mas, aqui, neste instante,
o clamor "ressuscita-me"
faz-se festa!

E entre os camaradas já caminhamos
sem esconder
o tamanho do coração que trazemos
no peito...

E esta anotomia louca
que a tudo converte
em coração palpitante,
me faz saber:
em breve, seremos recompensados
em inumeráveis entardeceres
diante do mar.
E serão incontáveis
as estrelas colhidas
a beijar o chão
ou na transparência das retinas...

Então, será inevitável correr
a sentir a brisa
e será, então, cotidiana
(como oração matinal)
a convocação da Vida Maior:
Ressuscita-me!
Ressuscita-me!
Ressuscita-me!

E, a partir de hoje,
e em cada novo hoje,
nos transfomaremos:
Filhos da Terra e do Mundo,
poetas, semeando futuros ainda
trinta mil vezes...


Luciana Cavalcanti - Recife, Várzea do Capibaribe, 11 de Março de 2010.
Re-nascendo, eu também...!

quinta-feira, 18 de março de 2010

Uma Criatura - Machado de Assis.

Sei de uma criatura antiga e formidável,
Que a si mesma devora os membros e as entranhas,
Com a sofreguidão da fome insaciável.


Habita juntamente os vales e as montanhas;
E no mar, que se rasga, à maneira de abismo,
Espreguiça-se toda em convulsões estranhas.


Traz impresso na fronte o obscuro despotismo.
Cada olhar que despede, acerbo e mavioso,
Parece uma expansão de amor e de egoísmo.


Friamente contempla o desespero e o gozo,
Gosta do colibri, como gosta do verme,
E cinge ao coração o belo e o monstruoso.


Para ela o chacal é, como a rola, inerme;
E caminha na terra imperturbável, como
Pelo vasto areal um vasto paquiderme.


Na árvore que rebenta o seu primeiro gomo
Vem a folha, que lento e lento se desdobra,
Depois a flor, depois o suspirado pomo.


Pois esta criatura está em toda a obra;
Cresta o seio da flor e corrompe-lhe o fruto;
E é nesse destruir que as forças dobra.


Ama de igual amor o poluto e o impoluto;
Começa e recomeça uma perpétua lida,
E sorrindo obedece ao divino estatuto.
Tu dirás que é a Morte; eu direi que é a Vida.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Minutos de Sabedoria - C. Torres Pastorino.

Não fique triste!
Procure o conforto que o céu dá a todos
aqueles que se conformam e aceitam
as dores com resignação.

Se aquela criatura que você ama acima
de tudo, mais do que a você mesmo,
foi ingrata com você, não fique triste:
peça que o Pai a ajude e que ela
se torne cada vez mais feliz...

Entregue ao Pai Todo-Compreensivo
aqueles a quem você ama, e ame-os
você também.

Expulse de seu espírito todas as lembranças
tristes. Será que remoer os erros vai
conseguir sarar o mal que já houve?
Não!
Quanto mais revolver em seu coração
as tristezas do passado, mais vai sofrer,
sem resultado nenhum.

Dirija sua mente às recordações alegres,
aos momentos felizes,
aos fatos agradáveis do passado.

Acenda a luz,
para que as trevas desapareçam.

(pgs. 215-216)

terça-feira, 16 de março de 2010

Quem Diria - Geraldo Carneiro.

ser cético era sonho de consumo
quando eu me consumia sendo jovem,
ser joyce, guimarães ou ser vinicius
no trânsito das musas musicais.
naquele tempo ainda não sabia
que a mim só me cabia ser eu mesmo,
entre as estrelas e as revoluções,
ao menos cá, no cais do coração.
hoje mudei, ulysses de mim mesmo,
procuro milha ilha em Tordesilhas,
uma sereia que me faça bem,
me faça mal, me faça quase tudo.
eu que só tinha o credo dos ateus
quero que a vida voe sempre assim
no piloto automático de Deus.

Sinto que Sim - Evaldo da Veiga.

Se um dia nos encontramos por aí,

nesses doces acaso da vida,

garanto que vou te reconhecer,

como sendo o que sempre busquei.


Tanta ternura no ar,

uma expectativa suave de amor,

é você que está próxima,

sinto você chegando...

VEM!

Meu Deus do céu, não tenho nada a dizer.

O som de minha máquina é macio.

Que é que eu posso escrever? Como recomeçar a anotar frases? A palavra é o meu meio de comunicação. Eu só poderia amá-la. Eu jogo com elas como se lançam dados: acaso e fatalidade. A palavra é tão forte que atravessa a barreira do som. Cada palavra é uma idéia. Cada palavra materializa o espírito. Quanto mais palavras eu conheço, mais sou capaz de pensar o meu sentimento.

Devemos modelar nossas palavras até se tornarem o mais fino invólucro dos nossos pensamentos. Sempre achei que o traço de um escultor é identificável por um extrema simplicidade de linhas. Todas as palavras que digo – é por esconderem outras palavras.

Qual é mesmo a palavra secreta? Não sei é porque a ouso? Não sei porque não ouso dizê-la? Sinto que existe uma palavra, talvez unicamente uma, que não pode e não deve ser pronunciada. Parece-me que todo o resto não é proibido. Mas acontece que eu quero é exatamente me unir a essa palavra proibida. Ou será? Se eu encontrar essa palavra, só a direi em boca fechada, para mim mesma, senão corro o risco de virar alma perdida por toda a eternidade. Os que inventaram o Velho Testamento sabiam que existia uma fruta proibida. As palavras é que me impedem de dizer a verdade.

Simplesmente não há palavras.

O que não sei dizer é mais importante do que o que eu digo. Acho que o som da música é imprescindível para o ser humano e que o uso da palavra falada e escrita são como a música, duas coisas das mais altas que nos elevam do reino dos macacos, do reino animal, e mineral e vegetal também. Sim, mas é a sorte às vezes.

Sempre quis atingir através da palavra alguma coisa que fosse ao mesmo tempo sem moeda e que fosse e transmitisse tranqüilidade ou simplesmente a verdade mais profunda existente no ser humano e nas coisas. Cada vez mais eu escrevo com menos palavras. Meu livro melhor acontecerá quando eu de todo não escrever. Eu tenho uma falta de assunto essencial. Todo homem tem sina obscura de pensamento que pode ser o de um crepúsculo e pode ser uma aurora.

Simplesmente as palavras do homem.


CLARICE LISPECTOR.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Creio:

Em Deus,
na evolução das espécies,
na minha capacidade de
me adaptar
às situações as mais adversas,
no sorriso e no olhar das crianças,
no amor e na esperança,
no orvalho da manhã,
no sabor da hortelã,
no mel dos teus olhos,
creio nos abrolhos,
creio na ciranda e no maracatu,
creio em mim e creio em tu.

Creio que no final
o bem vencerá o mal!!!

Carlos Maia
15/03/10

Sem lei nem rei - Maximiano Campos.

Sem lei nem rei, fiz
uma opção danada: tudo ou nada.
Terra firme ou mar profundo,
dia claro ou noite alta.

Sem lei nem rei, teci
minha própria armadura.
Da solidão fiz moradia.

Sem lei nem rei, do aço
desse chão e da luz do sol,
fiz duas esporas para fazer
correr o meu destino vão.

Sem lei nem rei, sem ofício,
e sem profissão finquei raízes
nesse chão. Canto quando quero,
e se meu canto não escutam,
não paro nem desespero.

Sem lei nem rei, nada tenho,
mas sei o que quero. Desejo cantar
a minha terra, suas cores fortes,
o seu verão. Plantar-me nesse chão.

Sem lei nem rei, sei
que para quem luta não há derrota,
há apenas a morte ou a vitória.
Mês passado participei de um evento sobre
o Dia da Mulher.
Era um bate-papo com uma platéia
composta de umas 250 mulheres de
todas as raças, credos e idades.
E por falar em idade, lá pelas tantas,
fui questionada sobre a minha e,
como não me envergonho dela, respondi.
Foi um momento inesquecível...
A platéia inteira fer um 'oooohh'
de descrédito.
Aí fiquei pensando: 'Pô, estou neste auditório
há quase uma hora exibindo minha inteligência,
e a única coisa que provocou uma reação
calorosa da mulherada foi o fato de eu não
aparentar a idade que tenho?
Onde é que nós estamos?'
Onde não sei, mas estamos correndo
atrás de algo caquético
chamado 'juventude eterna'.
Estão todos em busca da reversão do tempo.
Acho ótimo, porque decrepitude também
não é meu sonho de consumo,
mas cirurgias estéticas não dão conta
desse assunto sozinhas.
Há um outro truque que faz com que
continuemos a ser chamadas de
senhoritas mesmo em idade avançada.
A fonte da juventude chama-se
mudança...
De fato, quem é escravo da repetição
está condenado a virar
cadáver antes da hora.
A única maneira de ser idoso
sem envelhecer é
não se opor a novos comportamentos,
é ter disposição para guinadas.
Eu pretendo morrer jovem aos 120 anos.
Mudança, o que vem a ser tal coisa?
Minha mãe recentemente mudou do
apartamento enorme em que
morou a vida toda para um bem menorzinho.
Teve que vender e doar mais
da metade dos móveis e tranqueiras,
que havia guardado e, mesmo tendo
feito isso com certa dor, ao conquistar
uma vida mais compacta e
simplificada, rejuvenesceu.
Uma amiga casada há 38 anos cansou das
galinhagens do marido e o mandou passear,
sem temer ficar sozinha aos 65 anos.
Rejuvenesceu.
Uma outra cansou da pauleira urbana e
trocou um baita emprego por um não tão bom,
só que em Florianópolis, onde ela vai à
praia sempre que tem sol.
Rejuvenesceu.
Toda mudança cobra um alto preço emocional.
Antes de se
tomar uma decisão difícil,
e durante a tomada, chora-se muito,
os
questionamentos são inúmeros, a vida se desestabiliza.
Mas então chega
o depois, a coisa feita,
e aí a recompensa fica escancarada na face.
Mudanças fazem milagres por nossos olhos,
e é no olhar que se percebe a tal juventude eterna.
Um olhar opaco pode ser puxado e
repuxado por um cirurgião a ponto de
as rugas sumirem, só que
continuará opaco porque não existe plástica
que resgate seu brilho.
Quem dá brilho ao olhar é a vida
que a gente optou por levar.
Olhe-se no espelho...

VAMOS ACENDER
NOSSOS OLHARES!!!!!!

(Lya Luft)

Poema de Natal - Vinícius de Moraes.


Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —

Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.

Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.

Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos…
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Para Carlos Maia.

Se você está olhando a lua sair,
entregue... solte a cabeça!
Sentindo o prateado lamber seu corpo,
você vai vibrar,
entregue... solte a cabeça!
Mas é preciso saber
que não se deve esperar muito dos astros,
Pois eles estão lá...
As estrelas que queimam seus olhos por
cima do mar,
giram só pra mostrar... que "brilho" vem do olhar.

Antes de viajar, sair, voar, mudar...
Deve levar muita bagagem com amor.
Deve estar bem no seu lugar,
Com os olhos abertos para ter a certeza
De que, o sol, a lua, estrelas estão lá
só pra brilhar e mostrar...

Eu sei que você tá adiantando,
Eu sei que você só tá querendo ser...
Foi talvez um veneno que despejaram no
seu caminho,
alguém que como você não sabe
o compasso da vida,
não teve o silêncio,
gritou e correu para longe...
machucando o seu sonho.

Mas não vá, espere pra ver.
Os seus raios verdes hão de esquentar
tantos raios negros!
Hoje tá chovendo
Chove e não tem lua
Sem a luz, vai perder o caminho...
Espere que seus pés deslizarão sobre nuvens
e nem será preciso ir...
Mudar é instintivo,
Não se deve procurar.

Estou rodando por sua causa,
Não sei se por temor
Não sei se por saudade.
Ah, se eu pudesse deitar seus cabelos
no meu colo...

Soraya
14/06/78.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Um arauto vestido de cetim
E alpergatas de couro
Em pleno Canecão
No Rio de Janeiro,
Me ensina novamente
A ter esperança!
Quando a vida
É de menos
A birita é demais!

Carlos Maia
10/03/2010
Quebrar os muros da prisão,
Desatar todos os nós.
Reassumir o controle
Da minha vida.
Não lamber mais
Esta casca de ferida.

Carlos Maia
10/03/2010

quarta-feira, 10 de março de 2010

terça-feira, 9 de março de 2010

O Som - Gildo Lopes.


O som é como a liberdade.
Ninguém o pode prender,
ninguém pode prescindir dele,
não se pode encarcerá-lo,
porque de todos os lados
ele sai vitorioso.
E não há meios
de ser esquecido,
ou desdenhado,
ou abafado,
ou espezinhado.
E está em toda parte,
menos dentro do mundo
onde vive a morte.
Está nos gritos da criança,
quando nasce
ou quando brinca.
Está nos céus,
no barulho das asas,
que transportam os viajantes
para o reino da esperança.
Está no seio das florestas,
compondo a vida das árvores e
das feras,
que lutam para sobreviver.
Está no murmúrio dos rios,
no canto das aves,
na boca dos trovões,
nos lábios que beijam,
no coração que bate,
nas preces que pedem paz,
nos gritos de escárnio,
no ventre dos órgãos,
nas cordas do violino,
no coração da borboleta,
onde houver vida, enfim,
mas só pode ser ouvido,
Quando se faz silêncio.

segunda-feira, 8 de março de 2010


A Mulher Madura

Affonso Romano de Sant’Anna


O rosto da mulher madura entrou na moldura de meus olhos.

De repente, a surpreendo num banco olhando de soslaio, aguardando sua vez no balcão. Outras vezes ela passa por mim na rua entre os camelôs. Vezes outras a entrevejo no espelho de uma joalheria. A mulher madura, com seu rosto denso esculpido como o de uma atriz grega, tem qualquer coisa de Melina Mercouri ou de Anouke Aimé.

Há uma serenidade nos seus gestos, longe dos desperdícios da adolescência, quando se esbanjam pernas, braços e bocas ruidosamente. A adolescente não sabe ainda os limites de seu corpo e vai florescendo estabanada. É como um nadador principiante, faz muito barulho, joga muita água para os lados. Enfim, desborda.

A mulher madura nada no tempo e flui com a serenidade de um peixe. O silêncio em torno de seus gestos tem algo do repouso da garça sobre o lago. Seu olhar sobre os objetos não é de gula ou de concupiscência. Seus olhos não violam as coisas, mas as envolvem ternamente. Sabem a distância entre seu corpo e o mundo.

A mulher madura é assim: tem algo de orquídea que brota exclusiva de um tronco, inteira. Não é um canteiro de margaridas jovens tagarelando nas manhãs.

A adolescente, com o brilho de seus cabelos, com essa irradiação que vem dos dentes e dos olhos, nos extasia. Mas a mulher madura tem um som de adágio em suas formas. E até no gozo ela soa com a profundidade de um violoncelo e a sutileza de um oboé sobre a campina do leito.

A boca da mulher madura tem uma indizível sabedoria. Ela chorou na madrugada e abriu-se em opaco espanto. Ela conheceu a traição e ela mesma saiu sozinha para se deixar invadir pela dimensão de outros corpos. Por isto as suas mãos são líricas no drama e repõem no seu corpo um aprendizado da macia paina de setembro e abril.

O corpo da mulher madura é um corpo que já tem história. Inscrições se fizeram em sua superfície. Seu corpo não é como na adolescência uma pura e agreste possibilidade. Ela conhece seus mecanismos, apalpa suas mensagens, decodifica as ameaças numa intimidade respeitosa.

Sei que falo de uma certa mulher madura localizada numa classe social, e os mais politizados têm que ter condescendência e me entender. A maturidade também vem à mulher pobre, mas vem com tal violência que o verde se perverte e sobre os casebres e corpos tudo se reveste de uma marrom tristeza.

Na verdade, talvez a mulher madura não se saiba assim inteira ante seu olho interior. Talvez a sua aura se inscreva melhor no olho exterior, que a maturidade é também algo que o outro nos confere, complementarmente. Maturidade é essa coisa dupla: um jogo de espelhos revelador.

Cada idade tem seu esplendor. É um equívoco pensá-lo apenas como um relâmpago de juventude, um brilho de raquetes e pernas sobre as praias do tempo. Cada idade tem seu brilho e é preciso que cada um descubra o fulgor do próprio corpo.

A mulher madura está pronta para algo definitivo.

Merece, por exemplo, sentar-se naquela praça de Siena à tarde acompanhando com o complacente olhar o vôo das andorinhas e as crianças a brincar. A mulher madura tem esse ar de que, enfim, está pronta para ir à Grécia. Descolou-se da superfície das coisas. Merece profundidades. Por isto, pode-se dizer que a mulher madura não ostenta jóias. As jóias brotaram de seu tronco, incorporaram-se naturalmente ao seu rosto, como se fossem prendas do tempo.

A mulher madura é um ser luminoso é repousante às quatro horas da tarde, quando as sereias se banham e saem discretamente perfumadas com seus filhos pelos parques do dia. Pena que seu marido não note, perdido que está nos escritórios e mesquinhas ações nos múltiplos mercados dos gestos. Ele não sabe, mas deveria voltar para casa tão maduro quanto Yves Montand e Paul Newman, quando nos seus filmes.

Sobretudo, o primeiro namorado ou o primeiro marido não sabem o que perderam em não esperá-la madurar. Ali está uma mulher madura, mais que nunca pronta para quem a souber amar.

(15.9.85)


O texto acima foi extraído do livro “A Mulher Madura”, Editora Rocco – Rio de Janeiro, 1986, pág. 09.

PS - Uma mulher bonita não é aquela de quem se elogiam as pernas ou os braços, mas aquela cuja inteira aparência é de tal beleza que não deixa possibilidades para admirar as partes isoladas.

Séneca

PS II - A mulher é um efeito deslumbrante da natureza.

Arthur Schopenhauer

PS III - Não se nasce mulher: torna-se.

Simone de Beauvoir

As flores, as flores...
Os trigais,
As campinas,
Os lajedos...
Arrancar do peito
A canção adormecida.
Reencarnar
Em mais de um milhão
De vidas...

Carlos Maia
07/03/2010

domingo, 7 de março de 2010

Depois de 2.010 anos
Ele voltou
E está vivendo incólume
Aqui na Terra,
Esperando o momento certo
Para se revelar.
Por enquanto a sua obra
É vivificar a sua Igreja,
Para que ela possa
Subir aos céus
Na oportuna ocasião
Em que se revelará.
Ele está aqui entre nós,
Vivendo como qualquer mortal.

Carlos Maia
07/03/2010

O Amor - Vladimir Maiakovski.

Talvez quem sabe um dia,
Por uma alameda do zoológico,
Ela também chegará.
Ela, que também amava os animais,
Entrará sorridente assim como está
Na foto sobre a mesa.
Ela é tão bonita,
Ela é tão bonita,
Que na certa eles a ressuscitarão.
O século XXX vencerá.
O coração destroçado já
Pelas mesquinharias.
Agora vamos alcançar
Tudo o que não podemos
Amar na vida.
Com o estelar das noites
Inumeráveis,
Ressuscita-me,
Ainda que mais não seja,
Porque sou poeta
E ansiava o futuro.
Ressuscita-me,
Lutando contra as misérias
Do cotidiano,
Ressuscita-me por isso!
Ressuscita-me,
Quero acabar de viver
O que me cabe,
Minha vida,
Para que não mais existam
Amores servis.
Ressuscita-me,
Para que ninguém mais tenha
Que sacrificar-se
Por uma casa, um buraco.
Ressuscita-me,
Para que a partir de hoje,
a partir de hoje,
a partir de hoje,
a família se transforme.
E o pai, seja pelo menos
O Universo.
E a mãe, seja no mínimo
A Terra,
A Terra...

sábado, 6 de março de 2010

A Rua - Cassiano Ricardo.

Bem sei que, muitas vezes,
O único remédio
É adiar tudo. É adiar a sede, a fome, a viagem,
A dívida, o divertimento,
O pedido de emprego, ou a própria alegria.
A esperança é também uma forma
De continuo adiamento.
Sei que é preciso prestigiar a esperança,
Numa sala de espera.
Mas sei também que espera significa luta e não, apenas,
Esperança sentada.
Não abdicação diante da vida.


A esperança
Nunca é a forma burguesa, sentada e tranqüila da espera.
Nunca é figura de mulher
Do quadro antigo.
Sentada, dando milho aos pombos.

sexta-feira, 5 de março de 2010

O Máscara - Carlos Maia.

Esse Carlos Maia que vocês veem brincando
com um e com outro,
tirando onda o tempo todo,
é uma máscara que eu uso para poder
suportar a vida.
Na realidade, quando fico à sós
comigo mesmo no vazio do meu quarto
sou um sujeito insuportavelmente triste.
A vida pra mim atualmente não faz o mínimo sentido.
Uso essa máscara para não morrer,
o que causaria imensa tristeza aos meus
dois filhos e à minha mãe.
Essa máscara é a minha maior muleta,
além das drogas e do álcool.
É para mim insuportável ver a profunda tristeza
nos olhos dos meus filhos,
vendo o pai morrendo lentamente,
aliás nem tão lentamente assim,
eu acho que se continuar nessa pisada
não duro mais dois anos.
Morrerei ou de bala ou vício.
Vou a contra-gosto pra esse internamento,
o que eu gostaria realmente
era de ter muito dinheiro pra morrer
de uma overdose.
Um mês inteiro de sexo, drogas
e Rock and Roll.
Vou pelos meus filhos, por minha mãe
e por Luiza.

Ventania - Pedro Nava.



Pro Mário.

O vento veio maluco lá do alto do Bonfim

e veio chorando da tristura do cemitério.

Zuniu na praça do mercado

assuviou as mulatas avenida do comércio
e mexeu na saia delas.
Arrancou folha das árvores
poeira sungou do chão
depois virou
Soprou
correu
danou
e entrou feito uma carga na avenida Afonso Pena,

O obelisco cortou ele pelo meio
mas ele foi avuando
e os fios da C.E.V.U. como cordas de viola
vibraram dum som longo
que cobriu Belo Horizonte feito um lamento.

O vento passou desmandado no Cruzeiro
saiu pro campo dobrou a mata
mas de repente
sua disparada pára na parede Serra do Curral
e o bicho stopa mas sapeca no morro um sopapo
que estrala que nem ginipapo
que mão raivosa
chispasse num muro curo..

Co-nhe-ceu papudo?

(1926)

Em ti, estou sempre buscando - Evaldo da Veiga.

Algo invisível em seu corpo que procuro com alegria,
tranqüilidade na busca, e também com desejo inquietante.
E ainda, uma vontade preguiçosa de caminhar
em teu corpo, eis que, o pleno já existe,
e o complemento que busco é mágico e invisível por excelência.
Em ti o que busco está em estado latente, ainda por existir.
Por que busco, se tudo tenho em você?
Creio que seja pela busca alegre de ver-te sentindo delícias,
e o alimento dessa alegria e o gozo nesse processo
de busca carinhosa, delicada, mas às vezes
em um ritmo meio louco e alucinado.
E quem determina os movimentos é o teu corpo, teu desejo...
Sinto nesse quadro uma busca divina, somente assim
se consegue ver e sentir o invisível...
É algo que está em você, não precisamente na epiderme
ou subcutâneo, está onde ninguém vê... E eu quero ver e sentir...
Esse invisível que habita tua boca, teus seios, axilas,
coxas, dedinhos, você toda...
E, em tuas entranhas,
explode o mais Santificado e pervertido desejo.

terça-feira, 2 de março de 2010

Ovos Quebrados - Fabrício Carpinejar.

Chega um momento em que a relação precisa quebrar os ovos. É bom estar preparado.

Será como o trabalho doméstico: transparente. Lava-se louça, roupa, estende, retira os vincos com ferro, limpa casa, recolhe o lixo, arruma os brinquedos e os filhos nem reparam que tudo está novamente no lugar e no armário, apesar da bagunça feita recentemente. É óbvio que não vão agradecer. É o que chamo de passado secreto. Aconteceu, mas não merece memória. Entretanto, a raiva fica: não fui valorizado e resta um desmemoriado mal-estar.

Minha namorada resolveu comer omelete. Ela já fez o prato outras vezes em seu apartamento.

Estava em casa e me antecipei na captura dos ingredientes, louco para agradá-la. Mas a minha menção de executar a tarefa a desagradou. Entenda, é o passado secreto. O ardiloso passado secreto. Com minha efusiva disposição, ela desconfiou de que não gostava de suas omeletes e que somente agora, decorrido um ano, estava com coragem de falar.

Raciocinei que significava uma informação dispensável, meu modo era dourar os dois lados e o dela era envelopar a massa ao final, mas ela tratava o assunto com tamanha energia que até me assustou.

- Quer que eu faça?
- Não gosta do jeito que faço?
- Gosto, é que eu mostraria minha predileção...
- Gosta nada, quem já fez omelete para você? Quer do jeito de quem? Confessa?
- De ninguém.
- Ora, vai nessa, qual é a receita? Com queijo ralado, requeijão, fatias? Por que nunca me disse que não gostava da minha omelete? Eu me sinto uma idiota...
- Eu gosto, só busquei uma maneira diferente.
- Que maneira?
(Daí eu me danei)

Levaremos mais tempo discutindo na tentativa de prevenir a discussão. A conversa durou duas horas. Duas horas sobre absolutamente nada, a não ser o medo do que não foi vivido junto. Se aliso seu umbigo, acreditará que repito um convite libidinoso com uma antiga namorada. Quanto mais a gente se entrega, maior é o pânico de estar sozinho na doação, de ser uma miragem afetiva. Tanto que após desfiar um "eu te amo tanto", não ouse nunca mais declarar "eu te amo" - é como se amasse menos.

O ciúme está dobrado em cada gesto, fazendo contas e pedindo estornos. Não há saída; passe manteiga na conversa, aqueça a frigideira e admire os ovos quebrados na pia.

Repare como o negócio é tinhoso. Durante as compras, no caixa, costumava perguntar se ela estava naquele momento com troco. Não falava dinheiro, mas troco. Uso troco para tudo. Para quê? Ela já formulou uma tese de que empregava o código com a ex. Igual sina em nossas rotas românticas. Relaxados, sozinhos e prontos para namorar, peço que ela me alcance o champanhe do balde: - Por favor, me passe a "champs"? “Champs”? Feito o entrevero. Usava também esse dialeto com a ex.

O grave é que ela tem razão. Só não desejava brigar, ainda mais quando não tenho defesa. Ela poderia ser mais justa e me dar tempo para preparar uma mentira.

(Arte de Arthur Dove )