sábado, 9 de maio de 2009

Eu nunca guardei rebanhos,
mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
conhece o sol e o vento,
e anda pela mão das estações;
a seguir e a olhar...
Toda a paz da natureza sem gente
vem sentar-se ao meu lado,
mas eu fico triste como um por do sol
para a nossa imaginação,
quando esfria no fundo da planície
e se sente a noite entrada
como uma borboleta pela janela.
Mas a minha tristeza é sossego,
porque é natural e justa;
e é o que deve estar na alma,
quando já pensa que existe,
e as mãos colhem flores,
sem ela dar por isto.
Como um barulho de chocalhos
para além da curva da estrada,
os meus pensamentos são contentes;
só tenho pena de saber
que são contentes, porque se não o soubesse,
ao invés de serem contentes e tristes,
seriam alegres e contentes.
Pensar incomoda como andar a chuva,
quando o vento bate mais forte
e parece que chove mais.
Não tenho ambições nem desejos,
ser poeta não é uma ambição minha;
é a minha maneira de
estar sozinho...

Fernando Pessoa
"O Guardador de Rebanhos"
Alberto Caeiro(heterônimo)

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