domingo, 19 de julho de 2009

"Da árvore e do rio e do grito do povo"

Não é o cipreste de Silos, nem é o olmo,
que vós, poetas, cantáveis em Castela.
(A soledade horizontal, cortada por um mastro
do mar que Margall suspeitava distante?)
Nem é o pinheiro Serrat, mediterrâneo,
nem o pinheiro do bosque dos cogumelos e o musgo...

É apenas um frágil eucalipto
quase ainda nu,
precário ainda.

As estrelas, parece, são as mesmas.
A noite é tão humana
como essas vossas noites, ó poetas,
profetas da Terra.

O Milton Nascimento
canta a dura vida dos pobres,
(Há um modo, ainda, de dizer a verdade:
com o violão...)

O Araguaia, mudo
como a dor do povo, contido
como o furor do povo
- tão distantes do rio e do violão
as Leis dos homens importantes! -
segue sua antiga rota,
teimosamente arrastado.

Pedro, o cego, fala, grita, livre, só.
- "Se tu estivesses são,
já teríamos rodado os dois pelo chão".
ganiu o gerente, estúpido.
- "Já teríamos rodado".
respondia-lhe o cego.

A velha casa paroquial do Morro
esfria, com a noite palpitante de vento,
seu rescaldo de areia calcinada,
sua calcinada história.

(Jentel ri na sombra,
com o cego e o vento, subversivos...)

"Levar vida de gente", canta Milton,
Pedro prossegue gritando alto, livre.
O eucalipto, leve, quase nu ainda, inadaptado,
trêmulo como um corpo trazido de outros climas,
incapaz de entender e dar respostas,
cresce na noite clara; e as estrelas
- meus olhos, meu silêncio,
o silêncio de Deus e a Palavra -
devem, por fim, saber alguma coisa
da árvore e do rio e do grito do povo...

Digo eu. Canta Milton. Gritam, livres, os pobres.
Não é possível que continuem, as estrelas,
impassíveis...!

Dom Pedro Maria Casaldáliga

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