segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Edmond Jabès: as palavras elegem o poeta.

Tu és aquele que escreve e que é escrito.

Marca com um sinal vermelho a primeira página
do livro, pois a ferida é invisível
em seu início.

Procuras te libertar pela escritura. Que erro!
Cada vocábulo é o véu levantado
de um novo liame.

Não negligencia o eco,
pois é de ecos que tu vives.

Uma folha branca está cheia de caminhos.

Ele interroga as palavras que o interrogam.

O livro nos lê.

Toda porta tem por guardiã uma palavra
(palavra-senha, palavra-mágica).

Tornar a palavra visível, isto é, negra.

Um dia a poesia mostrará aos homens o seu rosto.

Só o leitor é real.

Quando os homens estiverem de acordo
quanto ao sentido de cada palavra,
a poesia não mais terá sua razão de ser.

Uma amizade não é talvez mais do que
uma troca de léxicos.

Uma vez núbil, a imagem só sonha com as núpcias.

O humor é poesia. O cômico é prosa.

O deserto emite palavras áridas.

A aurora cria o galo.

A memória do poeta é o seu tempo.

O poema é a semelhança.

O sexo é sempre uma vogal.

A arte do escritor consiste em provocar,
pouco a pouco,
as palavras a se interessarem por seus livros.

As palavras elegem o poeta.

O louco é a vítima da rebelião das palavras.

Num poema, o eco é tão importante quanto o silêncio.

Graças ao ritmo, o poeta conserva
o equilíbrio que as palavras lhe disputam.

A imagem é formada de palavras que a sonham.

Pronunciada, a palavra voa; escrita, ela nada.

O poeta dá a obra o seu nome. O leitor, a sua imagem.

Uma sombra no deserto é sinônimo de vida.

O infinito é negro.

As palavras se agrupam em torno da imagem
como os homens em torno de mesa
ou de uma fogueira.

A palavra traz em si o livro, como o homem o universo.

A palavra adora a obscuridade.

O poema é a sede que o desejo
de uma sede maior sacia.

A vista modela, como a voz, a palavra.

As palavras tem sons por sombra.

(Seleção e tradução-homenagem de Max Martins
a Edmond Jabès, falecido em Janeiro de 1991.)

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