terça-feira, 3 de maio de 2011

Ácido na corrente elétrica - Parte II


24 dias na 7ª. Região do Inferno, ou também chamada “Casa de Saúde São José”. Mas estou de volta, mais uma vez sobrevivi. Bom, eu não quero falar muito como é que foi meu internamento, foi o 7o, e só dois deles foram bons, o do RAID, aqui, e BAIRRAL, em São Paulo. Houve muitas fugas.

                   Bom, mas tem uma coisa interessante neste último internamento, assim que cheguei eu era Jesus, e arranjei logo de cara 5 discípulos: Mateus, Pedro, Paulo, Buda e Alan Kardec; aí eu chegava pra Pedro e dizia: Pedro, tu és pedra e sobre ti eu edificarei a minha igreja, e ele respondia: Certo Jesus, certo! Era engraçado Pedro, ele chegava pra mim e dizia: Eu sei que você é Jesus, posso ver pelo brilho dos seus olhos que você é Jesus!
                   Voltei ainda há pouco da praia, cheguei lá o sol estava nascendo, acordei cedo hoje, eram 4h, tenho andado um pouco preocupado com a minha vida, essa coisa de estar desempregado, sem uma fonte de renda, tem mexido com a minha cabeça. Mas então quando o sol estava nascendo, eu me lembrei do versículo de Isaías 41:10 : “Não temas, porque eu sou contigo, não te assombres, porque eu sou o teu Deus, eu te fortaleço e te ajudo, e te sustento com a minha destra fiel”. Aí me deu uma Paz, sabe, era como se o próprio Deus estivesse ali dizendo estas palavras, o Criador daquilo tudo. Não que agora eu vá ficar de braços cruzados esperando que o dinheiro caia do céu. Eu vou me movimentar, é claro, mas despreocupado, sabendo que o Pai está ao meu lado!
                   Bem, estou fazendo uns cartões postais de poesias minhas, devem ficar prontos dentro de uns dez dias, aí quando eu saí da gráfica ontem, saí meio eufórico, com vontade de beber novamente, de comemorar, então eu liguei pra Dra. Valéria e ela aumentou a dosagem do melleril para 100 mg por dia; espero que dê para controlar, eu não quero entrar em crise novamente.
                   Ontem foi o quarto dia com essa dosagem, não foi suficiente para controlar minha compulsão ao álcool, saí com Miró para Gaibú e bebi até vomitar; quase que a gente cai num precipício por conta da minha bebedeira. Cheguei em casa era umas 23h 30min, já refeito, tomei o remédio e fui dormir.

                   Eu ainda não falei, tenho PMD, psicose-maníaco-depressiva, ou também conhecida como distúrbio bipolar. Saiu há pouco tempo uma reportagem na Veja sobre um cara que também tem PMD que me ajudou bastante. Eu antes tinha certa resistência em tomar os remédios, eu me sentia bem e achava que não precisava tomá-los, mas há pouco tempo descobri que me sentia bem justamente porque estava tomando-os.
                   Os 100 mg não foram suficientes, tive que aumentar a dosagem para 150 mg, é o equivalente a um murro de MICK TISON, é pau na moleira.
                          Bom, mas vamos deixar esse papo de doença de lado, que eu não gosto muito de falar sobre isso. Apesar de não me enquadrar embaixo de nenhum rótulo, eu sinto como se tivesse uma diabete, tenho que tomar remédios até o fim da minha vida. Mas não me sinto constrangido por causa disso, tudo tem seu preço. O fato de Deus ter me dado esse dom de escrever poesias, ter me dado essa sensibilidade exacerbada, tem o seu preço em contrapartida; mas eu pago esse preço satisfeito. Não que eu seja masoquista, mas é porque acho que vale a pena pagá-lo. E além do mais não é nenhum câncer, nenhuma AIDS, muito pelo contrário, é plenamente controlável através dos medicamentos que dispomos hoje em dia.
                   São exatamente 1:22 h da madrugada e ainda não consegui dormir. É demais pra mim, já tomei outro melleril e nada de chegar o sono. 200 mg de melleril!!! Não pensei que fosse chegar a tanto! Mas vou subir pra cama e relaxar que o sono chegará com certeza!
                   Agora são exatamente 5:56 h, consegui dormir às 2:47 h, dormi, portanto pouco mais de 3 horas. É muito pouco, mas pelo menos dormi.  Pior foi anteontem, só consegui dormir 1 hora.
                   Hoje já é o terceiro dia que eu tomo 200 mg de melleril, graças a Deus eu melhorei. Graças a Deus eu dormi bem neste último dia.
                   Tenho vendido bem meu livro de poesias, feito aqui no computador; é o que tem me valido nestes dias! E o pessoal tem gostado!
                   Já faz 2 meses que os postais ficaram prontos, coloquei 300 deles em consignação em diversas livrarias, até agora só foram vendidos 8. Você pensar em viver de poesia nesse país é pra morrer de fome. Ainda bem que eu tenho outros caminhos na minha frente. Está praticamente vendida a casa na Sta. Rita que eu recebi de herança do meu pai, e aí com esse dinheiro pretendo montar um negócio pra mim. As coisas estão clareando finalmente, graças a Deus.
                   O que é essa vida? Eu me pergunto constantemente...Qual o sentido? Por que nós estamos aqui? De onde viemos e para onde vamos? Passamos a vida só na luta pelas conquistas materiais e esquecemos de cuidar da nossa evolução espiritual. Às vezes eu sinto um vazio dentro de mim muito grande. Esses questionamentos, essas dúvidas...Eu sinto que nós viemos de Deus, e que de acordo com a maneira de nos comportarmos aqui, voltaremos para Ele ou não. Mas eu gostaria que as coisas fossem mais claras. Deus nos coloca num emaranhado de sombras, e talvez essa seja a forma dele nos aperfeiçoar.
                   Eu gostaria de poder viver uma vida mais plena, sem tanta mesquinharia. Uma vida perto da natureza, que é o meu alimento. Quanta saudade eu sinto de Lençóis, foi o lugar mais bonito que vi em toda a minha vida; o local tem uma energia fantástica! Eu me senti como nos primórdios da terra!
                   Estou tentando formar um grupo de N.A.(Narcóticos Anônimos), aqui em Recife. Liguei para o N.A. de Salvador e eles ficaram de mandar material a respeito.
                   Perdi os referenciais da vida, estou numa solidão atroz; tendo que evitar os amigos por causa da cocaína e do álcool e sem ter em contrapartida novos amigos por estarem ainda em formação, quer dizer, sei que posso contar com o Mário e com outras pessoas da igreja, mas aqueles amigos que faziam parte do meu referencial de vida tenho que evitá-los. E amizade não é uma coisa que você possa impor, ela surge de afinidades.
                   Ultimamente tenho pensado constantemente em suicídio. Vou falar com Dra. Valéria pra ver se ela receita algum antidepressivo pra mim, mesmo correndo o risco de eu entrar em euforia, quero tentar alguma coisa que amenize esse meu sofrimento; que também pode ter um fundo orgânico, alguma baixa no nível da serotonina. Eu antes não compreendia nem aceitava o suicida, agora sei o que ele sente. Mas antes de me matar, que é uma atitude extremamente egoísta, prefiro ir pra Lençóis e abrir uma pousada lá, que também é uma atitude egoísta, não estaria pensando nem em meus filhos, nem em minha esposa; aliás, para ir pra lá teria antes que me separar dela; isso foi uma coisa que ela deixou bem claro. Mas antes a vida que a morte.
                   Sei que o sentido da vida não está em nenhum lugar do planeta, ele está dentro de nós. Mas tem também o lance da afinidade com o local onde estamos. Eu não tenho mais a mínima afinidade com cidade grande, meu lance atualmente é campo, aliás, há muito tempo que meu lance é campo; e eu tenho que amadurecer bem esta idéia que se descortina na minha frente: Lençóis.
                   Eu estava agora me lembrando do ano de 79, em que eu e meus amigos passamos todos os finais de semana e feriados comendo cogumelo lá em Gaibú. Meu cunhado Rômulo leu no jornal local a respeito de jovens que lá comiam cogumelo, e meu pai que já andava meio desconfiado do que é que eu tanto ia fazer naquela praia; chovesse ou fizesse sol todo final de semana eu tava lá, então resolveu ir até lá investigar. Só que ele deu a desculpa que ia ver se comprava um terreno lá.
                   Bom, saímos então praticamente a família toda na Caravan, eu, papai, mamãe, Rômulo e não sei mais quem, que eu não me lembro agora, sei que o carro estava lotado. Fomos lá pra Gaibú, só que antes de chegar lá, a estrada passava primeiramente num pasto, onde justamente a gente pegava os cogumelos de boi zebu; e quando estávamos passando pelo pasto veio um menino com um saco cheio de cogumelo, ele me reconheceu dentro do carro e saiu gritando: Olha o cogumelo!! Olha o cogumelo!!... Eu procurei um buraco no chão do carro pra me esconder e não achei. Sorte minha que ninguém além de mim, ouviu. É bom esclarecer uma coisa: muitas vezes esses meninos vendiam à gente um saco com 50 a 60 cogumelos por R$ 1,00 a R$ 2,00 em valores atuais, nós não tínhamos nem o trabalho de procurar no pasto.
                   A primeira vez que eu comi cogumelo foi com Tatá, foram dois cogumelos enormes de búfalo, um pra cada um, foi o suficiente. Não conseguimos sair do pasto. Ficamos sentados em dois troncos de madeira. Aí eu dizia pra Tatá: Tatá, vamo pra Gaibú! e ele respondia: É, Gaibú, né Carlinhos! Mas aqui tá tão bom! E eu dizia: É!...5 minutos depois o mesmo diálogo, e isso se repetiu umas quatro ou cinco vezes. Eu imaginava, na minha viagem, Gaibú como sendo um lugar específico em que as pessoas iam pra lá só pra viajar. Pode parecer um diálogo meio mongolóide, mas nós estávamos realmente meio abestalhados com a porta da percepção que tinha se aberto nas nossas mentes. O chão do lugar onde estávamos estava coberto de lascas de madeira, só que na nossa percepção brilhava como o cobre.
                   Aí uma mosca pousou no meu braço, e naquele instante eu percebi que a vida dela era tão importante quanto a minha. Nessa hora a gente estava conversando com um matuto chamado Bezourão, e então eu perguntei pra Tatá: Tatá, por que a gente mata as moscas? Bezourão ficou sem entender nada... Aliás, Bezourão nos contou que já tinha experimentado cogumelo uma vez, chegou em casa aperreado abrindo e fechando o guarda-roupa, aí chegou a mulher dele e perguntou: o que é que você tá procurando, Bezourão? Aí ele respondeu: num sei, num sei, só sei que eu tô procurando!

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