segunda-feira, 9 de maio de 2011

Ácido na corrente elétrica - Parte IV



                   27/12/98 – Tá na hora de dar uma parada neste relato para eu poder acumular um pouco mais de conhecimento (tanto de pessoas que passaram a vida pesquisando quanto o conhecimento empírico do mundo); estou lendo no momento “O Fenômeno Humano” de Teilhard de Chardin. Eu não quero tornar este diário uma coisa chata, com altos e baixos intermináveis. Nesse mês de Dezembro eu bebi novamente após um ano e dois meses. Bebi duas vezes. A primeira eu passei cerca de 40 minutos no supermercado Bompreço olhando os vinhos e com medo de beber novamente, não era aquele tipo de vontade de ficar embriagado, e sim uma vontade de saborear e ter prazer na degustação de um bom vinho, terminei comprando um vinho safado danado, Piagentini, tomei uma garrafa de 750 ml. A segunda foi quando eu fui passar o dia fazendo uma caminhada da praia do Paiva até Gaibú (são mais ou menos 16 Km). Parei antes em Barra-de-Jangada pra almoçar e antes de começar a comer pedi uma cerveja, eu senti como se estivesse quebrando um pacto, com Deus, com Lúcia e com a minha sanidade. Tomei 5 cervejas neste dia. Não acho que foi muito, foram bem espaçadas e a caminhada ajudou a colocar a maior parte do álcool pra fora. Engraçado na primeira vez não tive o sentimento de quebrar um pacto, e Lú não desconfiou nem ficou sabendo de nada. Acho que foram os anjos.
                   30/12/98 – 23 h. Estou novamente elétrico. Já tomei 100 mg de Melleril faz 2 horas, não fez efeito ainda, vou esperar mais 15 minutos se a voltagem não baixar tomo mais 50.
                   05/01/99 – 00:27 hs. Passou. Dormi no dia 30. Bebi novamente hoje, porra!!!   
                   13/01/99 – 23:46 hs. Hoje tomei a decisão mais difícil da minha vida. Vou pra Lençóis. Foi uma decisão que eu tomei depois de orar a Deus pedindo que Ele me mostrasse qual era a vontade dele; que Ele me desse paz no coração se fosse da vontade Dele que eu fosse, se não fosse que eu não sentisse paz. Eu tive que aniquilar completamente a minha vontade para poder obter a resposta à minha oração. Porque a minha vontade era de ir, mas eu queria ir com Lúcia e os meninos. Eu tive que abrir mão da vontade de ir, e me sujeitar a ficar se fosse da vontade dele. Momentos depois que eu me reduzi a nada, eu senti a decisão sendo tomada no sentido de ir. E veio paz no meu coração, que até então eu não sentia quando pensava em ir pra lá. Veio paz, graças a Deus. Veio paz.
                   16/01/99 – Hoje eu me separei de Lú. Ela não aceitou a idéia de ir morar comigo em Lençóis.
                   27/01/99 – 23 h – Estou escutando “Oxygene” de Jean Michel Jarre. Conversei com Lúcia ainda há pouco. A gente está se separando numa boa. Acho que ela vai ser a minha melhor amiga. Espero também ser o melhor amigo dela. Estou um pouco agitado. Há uma coisa a ser dita: Esse estado de excitação é extremamente prazeroso, porém destrutivo, e eu não quero mais saber de furacões na minha vida.
                   23/02/99 – Tô sofrendo muito com essa separação.
                   27/02/99 – Hoje tomei a decisão de não mais ver Lúcia. Estava sendo um tormento toda a vez que a via. Eu sentia vontade de beijá-la, abraçá-la e me deparava com uma pedra de gelo.
                   03/03/99 – Hoje eu não tô com vontade de escrever. Já falei de tantas coisas. O que mais há pra ser dito? Será que esta vida tem um sentido? Eu queria realmente que ela fizesse um sentido pra mim. Infelizmente não vejo. Racionalmente falando eu sei que o sentido está em propagar o reino de Deus aqui na Terra, mas eu quero ter isso como uma chama queimando dentro do meu coração, quero ter isso como vida dentro de mim, e não simplesmente como palavras.
                   19/04/99 – Olhando da janela que tantas vezes me trouxe o infinito nas asas de um pássaro. E é dessas cinzas, de tudo de ruim de tudo de bom do esterco da lama da flor do vôo impensável, do instante inatingível, da busca da busca que me queima e me consome. No meio de tantos antagonismos eu procuro me encontrar.
                   11/06/99 – Quem sou eu? Quem sou eu? Essa questão da minha identidade me angustia. Eu sei que não sou Jesus, mas vez por outra me vem uns lampejos como se eu fosse. Eu ouso dizer como Ginsberg: “América, eu não agüento mais a minha própria mente!”.
                   13/06/99 – Hoje conheci Ramayana, fã da minha poesia, vinte aninhos somente, uma gracinha.
                   10/07/99 – Ontem conheci Milena, simplesmente uma deusa. Linda. Fiquei feliz por existir e poder contemplar sua beleza.
                   27/08/99 – Da primeira vez que eu fiquei sem falar com Lúcia consegui passar três meses. Agora quero ver se deixo de uma vez por todas. É muito sofrimento pra meu gosto, chega! Eu não consigo ter somente amizade por ela.
                   28/08/99 – De quem eram aqueles olhos ainda há pouco no espelho, que ser era aquele que me olhava? Com certeza não era eu.
                   14/09/99 – 2 h 36 min – Estou em Lençóis. Cheguei no dia l0/09 às 23 h após uma viagem cansativa. É muito lindo isso aqui, é difícil descrever em palavras a paz, a mansidão, o esplendor e a magia que este lugar transmite. Estou muito feliz por haver voltado. Não vou passar muito tempo por aqui, como havia pensado, talvez fique uns 15 a 20 dias, depois retornarei a Recife para retomar a faculdade.
                   15/09/99 – 4 h 41 min – Ontem estive no Poço Encantado e Poço Azul, o Poço Encantado é lindo, mas o Poço Azul foi a mais grata experiência de comunhão com a natureza que eu já tive na minha vida. É uma gruta com uma lagoa que a gente pode mergulhar, e vamos com um guia com uma lanterna no capacete até uma parte escura no fundo da caverna, e quando chegamos lá ele desliga a lanterna e voltamos de lá com a água a uma profundidade de 18 m., puramente azul com uma exuberância de iridescências, indo da escuridão para a luz, é como se estivéssemos nascendo de novo, simplesmente indescritível.
                   16/09/99 – 22 h 44 min – Estou no Capão. Viemos de Lençóis até aqui, foram 24 km. andando com uma mochila de uns 12 Kg. nas costas, foi o início de nossa marcha de 5 dias (74 Km.), onde iremos conhecer a cachoeira da fumaça por cima no 2o dia, no 3o os Gerais do Vieira, no 4o o vale do Pati e no 5o chegaremos a Andaraí. Passamos hoje pelo “Morrão”, o ponto mais alto da chapada, foi simplesmente hipnotizante, não consegui parar de olhar pra ele, sua visão nos acompanhou durante boa parte da viagem.
                   20/09/99 – 1 h 07 min – Estou no vale do Pati, numa casa abandonada que eles chamam “prefeitura”. Os moradores daqui conservam bem varrida a casa, eles vendem uma aguardente artesanal. Daqui dá pra ver o castelo de Greysgoth, é uma formação igualzinha a um castelo. A noite está nublada, é sempre assim aqui em Lençóis. Gostaria de ver uma noite estrelada como eu vi na cachoeira de Topázio lá em Brasília. Mas tá valendo! O carro não chega aqui, e as paisagens são simplesmente deslumbrantes.
                   Ontem estávamos nos Gerais do Vieira, uma planície imensa, no final da tarde subimos num monte para vermos o pôr-do-sol, foi incrível. Aquele pasto imenso sem gado e o sol dourando o capim, recitei o Salmo 23.
                   23/09/99 – Tô de volta a Recife.
                   27/09/99 – Fui pra Lençóis com o dinheiro da venda de uma Towner 95 que eu comprei pra fazer passeios ecológicos, foi a melhor coisa que eu fiz, vender aquela desgraça, só vivia quebrando... Bom, com o dinheiro que sobrou após a viagem encomendei uma carrocinha de cachorro-quente. Deve ficar pronta dentro de 20 dias.
                   14/10/99 – Agora é que a carrocinha ficou pronta, amanhã eu sairei com ela.
                   15/10/99 – É barra sair empurrando uma carroça grande pelo meio da rua, ter que ficar atento aos fiscais da prefeitura, num é em todo lugar que você pode parar, o lugar que não pode é o que vende mais, quase que os fiscais levam a minha carrocinha hoje, só não levaram porque eu fiz uma choradeira danada.
                   18/10/99 – Ontem a carrocinha quebrou o suporte da roda, Dody foi quem me socorreu, depois tomei uma birita com ele.
                   Por falar em Dody, me lembrei agora dos acampamentos que a gente fazia em Gaibú, em 83, depois que eu passei no concurso do Banco do Brasil. Era muita loucura, nessa época eu tinha um Gurgel, eu já andava com a tenda no carro. Eu saia com Lú geralmente pra Olinda, Querubim Bar, Relicário, Quintal, era uma turneé etílica. Bom resumindo, a gente (eu e Lú), às vezes 3, 4 horas da madrugada decidia ir pra Gaibú. Quando a gente tava armando a barraca, quem é que encontrávamos? Dody e Telma. Aí nessa época tinha uma história de papeiro, que era uma tapa violenta no pescoço, eu ia por trás na surdina e dava um papeiro em Dody, ele tomava o maior susto, aí a gente abria um vinho e ficávamos bebendo, olhando a fogueira e eu tocando flauta até o dia nascer. Era muito bom aquilo.        
                   18/12/99 – 23:13 hs. – Bilhões de anos foram necessários desde o momento do Big-Bang até agora, eu na frente da tela de um computador viajando no seu protetor de tela como se estivesse percorrendo em grande velocidade as galáxias. Até onde irá a evolução da tecnologia? Será que existirá um limite?
                   15/01/2000 – Foi uma apelação sair com uma carrocinha de cachorro-quente.
                   10/02/2000 – Às vezes eu não me reconheço quando olho para o espelho. Espero ver aquele mesmo cara de cabelos compridos da adolescência, é essa a imagem que ficou dentro de mim...
                   Falei isso pra Ernesto no final de semana passada, ele ligou pra mim no meio da semana e disse que quando se olhou no espelho saiu correndo e se escondeu embaixo do lençol.
                   24/06/2000 – Ah, eu aqui novamente diante de ti, meu confidente... Eu quero agora a lucidez, a completa lucidez, a bebida já atingiu o seu limite, não mais o álcool, ele já me trouxe o que eu queria buscar dele, agora eu quero a lucidez. Eu digo o que eu queria buscar dele nesse exato momento, em que já tomei duas garrafas de cervejas e quase uma garrafa de vinho, esse é meu limite e eu não quero ultrapassar...Não quero perder a consciência...Lúcia voltou pra mim, e daqui a mais alguns instantes vou me encontrar com ela no motel.
                   03/02/01 – Eu posso viver mais 100 anos, mas nunca vou perder a perplexidade diante da vida.
                   25/03/01 – Dire Straits – Sultans of Swing – ao vivo. Sinto-me VIVO!!!! Consegui um emprego na Emlurb, vou trabalhar na área administrativa, o salário não é muito grande, mas é melhor do que estar parado. Trabalhei com Ernesto na empresa de publicidade dele de Agosto do ano passado até Fevereiro desse ano, atualmente estávamos sem nenhuma campanha em andamento. Estou estudando para o concurso da Polícia Rodoviária Federal. Voltei pra Igreja, já estou há um mês sem beber. Às vezes sinto falta da bebida, principalmente de um bom vinho.
                   28/04/01 – Voltei a beber, desbragadamente...Vou ver se consigo dar um tempo de um mês, pelo menos. Falei com Mamãe, e ela concordou, para eu quando voltar a beber ficar tomando uma cervejinha ou um vinhozinho aqui em casa mesmo, aí eu acho que vai ser mais fácil controlar...O que me incita a beber mais são as conversas com os amigos...
                   Carne 6 x Espírito 2 – este é o placar atual no meu ser...
                   13/05/01 – Domingo à tarde. Tô legal! Estudei quase o fim de semana todo, agora vou relaxar...Já tomei 4 latinhas de cerveja, tô na quinta, escutando Zé Ramalho, Vida de Gado, projetos, projetos, projetos...Vamos botar em prática!
                   Lembrei-me agora de um fato ocorrido em 1979, estávamos eu, Tatá e Ernesto, tinha uma pedra em Calhetas em forma de bola, e o mar a cercava, eu consegui atravessar até a pedra e fiquei no mar fortíssimo embalado ao sabor das ondas em completa harmonia viajando de cogumelo. Tatá resolveu pular também, só que quando ele quis sair do mar se ralou todinho, coitado, não pegou o embalo das ondas...
                   De outra feita a gente foi andando do Cabo até Gaibú, 24 Km a pé, Eu, Ernesto, Arraso, Hermano e Bolinha. De noite. No meio da caminhada a gente viu umas luzes estranhas no céu, todo mundo doido de Optalidom. Ernesto quis chamar os discos voadores para um contato imediato de 3o grau aí eu disse pra ele: - Num chame não, num chame não, porque se eles vierem eu jogo uma pedra neles! Eu tava mais doido ainda que todo mundo...
                   E Claudinho, um hippie doido lá de Gaibú, quando eu tava eufórico em 1993, ele passava pelas pessoas em pleno Outubro e desejava um Feliz Natal! Completamente doido!
                   Fiz amor com uma flor! Doido de cogumelo, num Setembro belíssimo, nas trilhas de Cabo de Santo Agostinho, eu encontrei uma flor em forma de vagina, roxa, orvalhada, a coisa mais linda do mundo, parei no caminho e fiquei contemplando-a, a minha energia foi passando pra ela e a energia dela foi passando pra mim, foi um gozo cósmico!
                   1979. Como descrever aquela época? Não tem palavras, não tem palavras, a magia estava no ar, as descobertas da adolescência, a natureza em flor desabrochando em comunhão com a nossa descoberta do mundo...A magia, a magia...
                   Gaibú. Bar do Pingüim. Sábado à noite. Cheguei com 4 cogumelos enormes copo de leite, da vaca Zebú, coloquei um num prato fundo, derramei vinho de jurubeba, e quando estava pra dar uma dentada nele surgiu um maluco e disse: Deixa eu dar uma mordida nesse pão! Deu! Comi o restante. Sai viajando por Gaibú à noite. O som das ondas parecia uma viagem de lança perfume, o mesmo efeito, tchum, tchum, tchum... E parecia que eu estava viajando no tempo, aquelas ondas cósmicas ecoando e eu andando no tempo naquele túnel mágico de Gaibú.

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