terça-feira, 6 de julho de 2010

A Casa - Nelson Saldanha.


Destelho a casa e fecho-me nas salas.

Entro em mim mesmo e em mim estou: andando

pelos meus corredores, que são valas.

Refaço meus mosaicos, empilhados

junto às paredes, em que estalam febres,

e em que procuro as portas deslocadas.

Subo e desço no escuro estas escadas

que dão aos meus porões, ora entulhados

com lixo e com raízes. E entretanto

vou rever as colunas, e o orvalho

acumulado sobre as folhas, cujas

nervuras reconheço talho a talho.

E reencontro os castiçais molhados

postos sob a ramagem, e estes ares

que são da noite, e dormem. E revejo

o verde escuro e triste dos veludos

e dos musgos, e o azul vitrificado

que vem dos sonhos mortos, repassados.

Apoio-me a parede, úmida e antiga,

que reconstruo com esforço, e escondo

debaixo de uma pedra um grão de sonho.

Assumo e sofro o chão em que o deponho

depondo-me também, sobre os batentes

que pesam como sombras, entre as sombras

que fariam as árvores ausentes.

Assumo e sou a casa e o sonho, e abarco,

no sonho inabitável que me habita,

os encaixes, os vidros, os ferrolhos,

forros e pisos, onde andaram passos

de vida e morte, e onde escoaram dias

ora também passados para sempre.

2 comentários:

Luna Freire disse...

Teu blog é sempre tão bom de se ler, e de se olhar...

Poeta Carlos Maia disse...

Obrigado, Fabiana!
Muita Luz pra você, minha irmã!
Eu também adoro o seu blog!

Grande Abraço!