Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
2 comentários:
Calos, fantástico.
Leio e releio Drummond, Leminski.
E seus poemas,principalmente o "Antes fostes...".
Belo poema.
Poesia não é filosofia transcendental rimada, nem manifesto político metrificado.
É, sim, uma condensação significativa de palavras, e o princípio individual dessa coordenação é o estilo do poeta.
E estilo é o que não lhe falta.
Abraços,
Arsenio Meira
Obrigado, Arsênio!
Gostei do seu comentário no blog de Domingos!
Grande Abraço!
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